Eram cinco e meia da da tarde quando Severino voltava da obra no bairro de Boa Viagem rumo à estação Shopping, próxima ao Aeroporto Internacional dos Guararapes, após um longo dia de trabalho na construção de mais um arranha-céu no litoral sul da cidade. Carregava consigo uma bolsa pesada com colher de pedreiro, esquadro, plumo e espátula mais a marmita vazia enrolada num pano de prato que sua mulher usou para manter a comida quente até a hora da boia.
-Um bilhete integração, por favor!, disse ele para a vendedora na cabine onde se comprava os bilhete.
-Fazia uns dez anos que Severino já não andava mais de ônibus por aquelas bandas do Recife, desde que os trilhos daquela ferrovia passaram a receber os trens metropolitanos que fazem a ligação entre o centro da cidade e o terminal Cajueiro Seco.
A viagem transcorreu normalmente entre a estação Shopping e Joana Bezerra, onde a maioria dos passageiros que seguiam naquele itinerário faziam a baldeação para a linha de Jaboatão ou Camaragibe. Até que Severino ouviu um aviso no alto-falante: -Atenção! Por motivos técnicos, este trem apresentou problemas e não seguirá viagem nos próximos quinze minutos. Solicitamos aos passageiros que desembarquem e aguardem uma próxima composição que dará entrada na plataforma B ao lado.
Severino se levantou do assento onde estava e perguntou a uma passageira que estava perto dele:
-A senhora sabe se por aqui passa ônibus para Camaragibe?
-Ih, moço, não sei não. Acho que por aqui só passa ônibus para Cajueiro Seco, Piedade, etc. O senhor vai ter que ir mesmo até o centro e pegar um no terminal.
-Mas daqui até lá é um bom pedaço pra ir andando. E eu nem conheço o caminho direito.
-Olha, o senhor pode seguir reto por aquela rua ali e em dez minutos o senhor estará no centro, perto do terminal.
Severino achou aquilo um ultraje. Afinal era trabalhador e esperava que o transporte público da cidade lhe fosse muitíssimo útil, mas viu que certos imprevistos acontecem O fato é que não estava a fim de esperar tanto. Pôs-se a caminhar rumo ao centro a fim de tentar pegar um transporte para casa.
Uns quinze minutos de caminhada, finalmente chegou ao que parecia ser o terminal de ônibus de Recife, abarrotado de gente que esperava uma composição q ue aparentemente, não vinha fazia uns 10 minutos, devido à pane ocorrida na linha compartilhada pelos trens de Camaragibe e Cajueiro Seco. E agora? Onde achar o ônibus que o levaria para casa? Afinal, se acostumou a andar de metrô a tanto tempo que nem lembrava mais da dificuldade de ter que esperar ônibus no ponto, sequer procurar onde era um ponto para embarcar. E pior, nem sabia mais quanto custava a passagem. supunha que deveria ser quase o mesmo preço do ônibus: uns R$ 4,00. A essa altura, a bolsa de ferramentas de pedreiro lhe pesava uma tonelada. Nossa, como a sua casa ainda parecia tão distante!
-Raspa-raspa R$ 1,00!! Chip da Tim R$ 5,00, chip da Claro R$ 10,00, vai com bônus!, ouvia os camelôs gritando na rua, em busca de gente para comprar cartões de recarga para telefones celulares. Lembrou-se de ligar para sua mulher Elvira, para dizer que demoraria mais um pouco para chegar em csa por causa do problema na linha do metrô.
-Me dá um chip de R$ 5,00, da Claro.
Aproveitou para fazer a recarga, pois seu celular tinha ficado sem créditos. Nada melhor que poder a visar em casa, para que ninguém ficasse preocupado com ele, demorando mais um pouco para chegar. Afinal, a periferia onde mora era perigosa, com uns rapazes meio estranhos rondando pelas esquinas à espreita de descuidados para roubar ou assaltar.
Severino se apressou em seguir rumo ao ponto onde havia uma placa dizendo: Camaragibe. Era ali o local onde pegaria seu ônibus para casa. Mas logo ficou sisudo ao saber que o ônibus seguiria por uma avenida alternativa devido a obras que a Prefeitura estava realizando naquele horário para melhorar a vida doas pessoas. Severino não se conteve:
-Mas que droga de vida! O pobre não tem sorte mesmo. Tudo que quero é chegar em casa, mas parece que vou acabar dormindo pela cidade, de tanta dificuldade de retornar. Meu Deus! Quer saber de uma coisa? Eu vou é de metrô mesmo, que já deve ter voltado ao normal e eu só pago R$ 4,25 e vai muito mais rápido. Sem pensar duas vezes, virou-se rumo ao portão da estação terminal da cidade e comprou um bilhete, vendo de longe que os trens haviam voltado a circular de novo, com centenas de pessoas saltando na plataforma de baldeação da capital. Botou sua bolsa de ferramentas nas costas e foi se arrastando para a roleta com o bilhete na mão, para encarar mais uma noite em casa, antes de voltar ao batente na manhã seguinte à seis, na obra do condomínio de luxo de Boa Viagem, que em três meses deveria estar estalando de novo.