terça-feira, 4 de abril de 2017

CHURRASCO À BORDO

 

























Não que seja algo muito incomum, mas geralmente churrasco dá a ideia de ser em lugar aberto, num quintal  de uma casa qualquer na periferia da cidade, longe do centro onde se trabalha de segunda a sexta-feira. Pois nesse dia, um domingão ensolarado, fui com meu tio Zico, visitar meu outro tio, Baixinho, que vive praticamente à bordo de um rebocador que presta serviço para a Petrobrás na Bacia de Campos.
   O lado insólito dessa aventura de domingo foi que, para começar, tivemos que driblar a vigilância da portaria para podermos entrar no Estaleiro Mauá, em Niterói, onde o rebocador estava repousando num dique de reparos. Estava ali já fazia umas 3 semanas, recebendo todo tipo de conserto depois de ficar meses flutuando em mar aberto, ao relento salgado dos elementos do Oceano. Ferrugem pra lá, motor quebrado pra cá.
   Logo na passagem pelos guardas da portaria, acompanhados de nosso tio Baixinho, eu e meu tio Zico tínhamos que dizer ao guarda a simples palavra "Sabiá", para que ele soubesse que éramos "tripulantes" do rebocador que ali se encontrava. E assim fizemos. Eu até achava que o guarda nos olharia desconfiados, mas como todos nós temos a aparência de operários endurecidos pelo tempo, nada de estranho para o guarda. --Tudo bem, disse ele.
   Caminhamos cerca de 200 m, ao longo de uma rocha que havia sido aberta para ampliação do estaleiro ao longo de décadas de existência. O Barão de Mauá na verdade não imaginaria que seu estaleiro original sobreviveria ao passar do século XX. Continua sobrevivendo, tentando se manter à custa da economia sorrateira desse País sofredor. Notei enormes galpões em desuso, pilhas gigantescas de pedaços de navios espalhados por todo o espaço do estaleiro e alguns pequenos  navios abandonados no cais ali perto. Me veio à cabeça o estado em que se encontra a conjuntura econômica do Brasil. Coisas abandonadas são sinônimos de investimentos que não foram à frente. Assim tem sido em nosso País.
   Chegamos no rebocador. Parecia um doente deitado num leito de hospital. Todo atravessado por cabos e mangueira que lhe perfuravam o corpo, levando-lhe energia e proporcionando meios de restaurar-lhe a vida dentro de algum tempo. O silêncio ao redor me fazia lembrar que era domingo e uma multidão de operários esperava a segunda-feira para retornarem aos seus postos de trabalho. Seriam como formigas sobre o açúcar. Subimos um lance de escada  que nos dava acesso ao convés. Ao atravessar essa passarela, olhei para baixo e vi que eu estava a uns 20 m da altura. Uma queda ali seria fatal.
   A grande rocha que havia sido detonado ao longo do tempo abriu espaço para a construção do estaleiro e mais acima da encosta pude notar a extremidade da casa que foi do Barão de Mauá, Irineu Evangelista de Souza. Ali ele construiu seu refúgio e dali tinha uma visão privilegiada do estaleiro que levava seu nome. Pena que os barões do Império que viviam às custas da riqueza obtida pela produção de café e outros produtos agrícolas da época não apenas sabotaram os ideais industrialistas do barão empreendedor do século XIX com também colaboraram para a destruição do próprio estaleiro, que por pouco não veio a deixar de existir. Aquele casarão era a testemunha do engenho progressista de Mauá, que acompanhava os avanços da Revolução Industrial na Inglaterra e para cá trouxe os ares da tecnologia.
   Meu tio Baixinho à frente, foi nos conduzindo por corredores estreitos que perfazem o ambiente de uma embarcação. Me fez lembrar novamente dos navios em que meu pai trabalhava. Sobe escada, desce escada. Primeira parada foi a cozinha e constatamos que ali não havia ninguém. Seguimos mais à frente e nos deparamos com uma turma em volta de uma churrasqueira. Eram os companheiros de bordo de meu tio. Houve uma saudação repentina de todos quanto nos viram: --Fala aí, Lourinho!!.
Notei que a fumaça da carne ardendo na brasa já subia a ponto de incomodar um pouco a turma ali. Mas a satisfação era tal que todos se compraziam por estarem ao redor da churrasqueira, esperando a primeira rodada de carne que sairia dentro de alguns minutos.  O cheiro era convidativo. Destacava-se o churrasqueiro, que cuidadosamente, mexia as carnes sobre a grelha como se fosse o cirurgião-mestre numa mesa de operação. Era o momento inicial do ritual gastronômico que envolvia uma série de debates que abrangiam todos os assuntos corriqueiros da vida.


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